Câmara aprova lei que tira direito de voto de 4.241 presos provisórios em MS

Câmara aprova lei que tira direito de voto de 4.241 presos provisórios em MS nov, 20 2025

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 18 de novembro de 2025, uma mudança radical no sistema eleitoral brasileiro: presos provisórios perderão automaticamente o direito de votar. A emenda constitucional, parte do Projeto Antifacção (PL 5.582/2025), foi aprovada por 349 votos a favor e apenas 40 contra — um resultado esmagador que sinaliza uma virada histórica na forma como o Brasil trata a cidadania de pessoas ainda não condenadas. No Mato Grosso do Sul, 4.241 detentos em prisão provisória correm o risco de ver seus títulos de eleitor cancelados. Em todo o país, cerca de 209 mil pessoas podem ser afetadas. A medida desafia um princípio fundamental da Constituição: a presunção de inocência.

Uma mudança que rompe com décadas de jurisprudência

Até agora, a legislação brasileira garantia que apenas quem fosse condenado em sentença definitiva — aquela que não cabia mais recurso — perdia automaticamente os direitos políticos. Presos provisórios, mesmo encarcerados por suspeita de crimes graves, mantinham o voto. Era uma proteção contra a punição antecipada, um pilar da democracia que reconhecia: ninguém é culpado até que a Justiça decida. Mas agora, tudo muda. A emenda proposta pelo deputado Marcel van Hattem, do Novo-RS, diz que estar preso, mesmo sem condenação, é suficiente para suspender a cidadania eleitoral.

"Não faz sentido um cidadão afastado da sociedade poder decidir os rumos políticos do país", justificou van Hattem. A frase ecoou em redes sociais e debates parlamentares, mas também gerou um silêncio incômodo: e se a prisão for ilegal? E se a investigação for falha? E se a pessoa for inocente?

As vozes que se opuseram

O líder do Partido dos Trabalhadores (PT), deputado Lindbergh Farias, foi categórico: "Essa medida vai contra o direito constitucional dos presos provisórios, que não têm condenação final." Ele lembrou que, em países como Alemanha e Canadá, mesmo presos condenados mantêm o direito de voto — e isso não enfraquece a democracia, mas a fortalece. "A prisão é uma punição, não uma suspensão da humanidade", disse.

Um leitor anônimo, em comentário viralizado no Instagram, resumiu a tensão: "O problema não é bandido votar… o problema real é que votamos em bandidos." Outro apontou: "Presos condenados não votam. Só recuperam a cidadania depois de cumprir a pena." Essas frases revelam um sentimento profundo na sociedade: cansaço com a impunidade, desconfiança na Justiça e desejo de punição imediata. Mas o que é justo não é sempre o que é constitucional.

O Projeto Antifacção: mais do que voto

O Projeto Antifacção: mais do que voto

A emenda sobre o voto é só uma parte do Projeto Antifacção. O texto completo inclui: aumento de penas para crimes hediondos, criação de novos tipos penais, apreensão antecipada de bens, prisão obrigatória em presídios federais de segurança máxima para líderes de facções, proibição de anistia e indulto, e até monitoramento audiovisual de parlatórios — mesmo com advogados — se houver ordem judicial. O relator retirou uma proposta polêmica do governo: permitir que suspeitos de facções atuassem como infiltrados em troca de benefícios. Foi um recuo estratégico, mas não diminuiu o impacto do pacote.

Essa é a segunda grande tentativa de endurecer o sistema penal em poucos anos. A primeira, em 2019, foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal por violar o princípio da individualização da pena. Agora, o Congresso volta com força. E dessa vez, tem maioria.

O que vem a seguir: o Senado e o Palácio do Planalto

O texto agora segue para o Senado Federal. Lá, passará por comissões, poderá ser alterado, e só depois será votado em plenário. Se aprovado, irá para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele tem o poder de sancionar ou vetar. Um veto seria um gesto simbólico poderoso — e politicamente arriscado. Um sancionamento, por outro lado, pode ser visto como uma rendição à pressão popular, mesmo que contrarie a Constituição.

Se virar lei, a mudança entra em vigor imediatamente. O Tribunal Superior Eleitoral terá que cancelar os títulos de 209 mil pessoas. E aí começa o caos: como comprovar que alguém está em prisão provisória? Quem vai atualizar os cadastros? E se alguém for solto por erro judicial? O direito de voto será restituído automaticamente? Ninguém sabe. Os detalhes operacionais ainda não foram discutidos.

Por que isso importa para todos nós

Por que isso importa para todos nós

Essa não é só uma lei sobre presos. É uma lei sobre quem pertence à democracia. Se a prisão provisória basta para tirar o voto, o que impede que, num futuro próximo, pessoas sob investigação — mesmo sem prisão — também percam esse direito? E se a polícia passar a prender mais para desabilitar eleitores? O risco é real. A história mostra que quando se começa a suspender direitos por suspeita, não se pára até que a própria democracia se torne um privilégio.

Em 2022, 1,3 milhão de presos provisórios tinham títulos eleitorais ativos. Em 2025, esse número pode cair para menos de 100 mil. Isso não é só uma mudança legal. É uma mudança de cultura. E talvez, o mais perigoso: uma mudança de identidade.

Frequently Asked Questions

Como isso afeta os presos provisórios em Mato Grosso do Sul?

No estado de Mato Grosso do Sul, 4.241 pessoas atualmente detidas sem condenação definitiva terão seus títulos de eleitor cancelados assim que a lei for sancionada. Isso significa que, mesmo que sejam inocentes, não poderão votar em eleições futuras. O Tribunal Regional Eleitoral do estado terá que atualizar o cadastro, mas ainda não há cronograma oficial para isso. A suspensão é automática, sem necessidade de decisão judicial.

Quem pode contestar essa lei se ela for aprovada?

Organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Ordem dos Advogados do Brasil, já sinalizaram que entrarão com ações no Supremo Tribunal Federal. O argumento central será a violação do artigo 5º da Constituição, que garante a presunção de inocência. Também podem ser propostas ações de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). A decisão final caberá aos ministros do STF, que já rejeitaram medidas semelhantes em 2019.

Por que a emenda foi aprovada com tanta facilidade?

A aprovação reflete o clima político atual: forte pressão popular por segurança, desgaste da Justiça e desconfiança generalizada nas instituições. Muitos deputados viram na proposta um gesto simbólico popular, mesmo que juridicamente frágil. Além disso, o Projeto Antifacção traz outras medidas que agradam a diversos setores, como o endurecimento de penas e o controle de facções — o que facilitou o apoio cruzado entre partidos.

Essa mudança afeta apenas o voto, ou outros direitos também?

Atualmente, a emenda se limita ao direito de votar e ser votado. Mas a lógica usada — que a prisão provisória é suficiente para suspender direitos — abre caminho para futuras restrições. Juristas alertam que, se aceita, pode ser usada como precedente para negar acesso a programas sociais, empregos públicos ou até mesmo o direito de defesa em processos administrativos. A fronteira entre punição e cidadania está sendo redefinida.

O que acontece se alguém for solto antes da condenação?

A lei não prevê mecanismos automáticos para restituir o direito de voto. Se uma pessoa for solta por erro judicial ou por falta de provas, seu título não será restabelecido automaticamente. Ela precisará recadastrar-se, como se fosse um novo eleitor — o que pode ser um obstáculo burocrático enorme, especialmente para quem saiu da prisão sem documentos ou apoio. Esse é um dos maiores riscos da medida: punir mesmo quem é inocente.

O presidente Lula pode vetar essa parte da lei?

Sim. O presidente Lula tem poder constitucional para vetar trechos específicos do projeto, mesmo que o Congresso o tenha aprovado. Ele já demonstrou sensibilidade a direitos fundamentais em outros vetos, como o da prisão em 2ª instância. Se vetar a emenda sobre o voto, enfrentará críticas da base de apoio que quer mais segurança. Mas manterá o compromisso com a Constituição — e pode ganhar apoio internacional de organizações de direitos humanos.